Descontente, Tarcísio define saída antecipada de Derrite

Candidato declarado ao Senado, o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP), deverá deixar a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) até o final do ano. O governador e o secretário já negociaram a saída, a princípio programada para dezembro deste ano.
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Ao deixar o Palácio dos Bandeirantes, o secretário irá retornar ao cargo de deputado federal do qual está licenciado.
Para concorrer nas eleições de 2026, Derrite poderia ficar na pasta até abril. No entanto, segundo relatos, o próprio Tarcísio tem interesse na antecipação da exoneração de Derrite e já estuda nomes para substituí-lo.
Entre os cotados está Marcello Streifinger, hoje à frente da SAP (Secretário da istração Penitenciária), que é visto como um quadro mais técnico e sem pretensões eleitorais.
Procurada pela Folha, a assessoria de Tarcísio não respondeu sobre o tema. Já a de Derrite negou que a saída ocorrerá neste ano e ressaltou que o secretário poderá ficar até abril do ano que vem
A avaliação do governador é que Derrite acumula tropeços no comando da segurança pública e, desde o início da gestão, faz uso da secretaria para pavimentar sua campanha política.
Tarcísio já calcula que, no pleito de 2026, sofrerá críticas devido à sensação de insegurança da população e ao aumento da letalidade policial em casos isolados e nas operações Escudo e Verão, além da demonstração de força do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Desde que Derrite assumiu o cargo, em janeiro de 2023, o estado teve queda no número de homicídios --de 2.909 em 2022 para 2.517 no ano ado. Também teve redução de roubos (de 242.991 em 2022 para 193.714 em 2024), e de latrocínio (de 178 para 166). Por outro lado, aumentaram os registros de estupro (de 13.240 para 14.579) e de pessoas mortas por PMs em serviço (de 256 em 2022 para 649 em 2024). As informações são da própria Secretaria de Segurança Pública.
Em 2026, o governador irá concorrer à reeleição ou à Presidência da República.
Um integrante do governo diz que é compreensível que todo o secretariado tenha a sua agenda política, mas a exposição de Derrite sobretudo nas redes sociais é tida muitas das vezes como mais radical do que a postura adotada pelo governador.
Outro tema na mira do secretário e que gera apreensão de Tarcísio é a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Segurança Pública, editada pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Tarcísio já fez críticas, mas também elogios pontuais ao texto e sugestões durante a reunião entre Lula, Lewandowski e os governadores estaduais para debater a PEC, em outubro do ano ado.
Enquanto Tarcísio e Lewandowski se aproximaram em torno do tema, Derrite foi para o embate quando o ministro de Lula disse que a polícia prende mal e o Judiciário é obrigado a soltar.
"O ministro é um senhor de idade, e eu tenho muito respeito por ele. Apesar das besteiras que ele fala, a culpa não é dele, a culpa é de quem o escolheu, porque não tem a mínima noção", disse Derrite, em março deste ano.
A relação de Tarcísio e Derrite colapsou no final de 2024. Em novembro, após a morte de Antônio Gritzbach, o delator do PCC, no aeroporto de Guarulhos, Tarcísio pediu para Derrite cancelar uma viagem para os Estados Unidos.
O secretário obedeceu, mas, como revelou a Folha, horas depois do ataque, Derrite foi a uma festa de aniversário em uma casa de shows à beira-mar na praia de Maresias. O caso foi resolvido com a colaboração da Polícia Federal.
Em novembro e dezembro houve episódios como as morte de Ryan, 4, que brincava e foi atingido durante operação da PM em Santos, do estudante de medicina Aurélio Cardenas Acosta, morto com um tiro por um policial, e de Gabriel Renal da Silva Soares, um homem negro baleado 11 vezes nas costas por um militar de folga.
Ainda teve o caso de um homem jogado do alto de uma ponte por um policial.
No auge desta crise, Tarcísio foi convidado para discursar em um evento sobre segurança pública ao lado de Lewandowski e de Gilmar Mendes no dia 6 de dezembro. Derrite ficou na plateia, num gesto que à época dissipou o boato de que o governador pretendia demiti-lo.
Ao discursar, no entanto, Tarcísio itiu os excessos da sua gestão na Segurança Pública, causando desconforto em Derrite, e se dizia arrependido por ter sido contrário ao uso das câmeras corporais na PM.
"Nosso discurso tem peso. E se a gente erra no discurso, a gente dá o direcionamento errado, e a gente traz consequências erradas", disse Tarcísio naquela noite.
"Há pouco tempo, a preocupação de quem estava na região metropolitana era com a violência, enquanto no interior era com a saúde. Hoje, a maior preocupação do paulista na região metropolitana e no interior é a segurança pública. É uma ferida aberta", prosseguiu o governador.
A postura do governador foi elogiada por Lewandowski e reconhecida até por Gleisi Hoffmann, que não aliviou para Derrite.
"Tarcísio bateu em retirada! Declarou que o PM que jogou o rapaz da ponte será expulso, reconheceu que errou quanto às câmeras corporais. Resta saber o que será feito do secretário de segurança [Guilherme Derrite]. Ele 'não pode' demiti-lo, seria um rompimento com o bolsonarismo. Um estorvo difícil de ser contornado", afirmou a petista.
Apesar do clima ruim, a saída antecipada de Derrite será construída como uma estratégia para que ele se dedique ao sonho de ser senador. Tarcísio quer evitar transparecer qualquer insatisfação. Pelo contrário, deverá continuar exaltando-o como um ótimo secretário de segurança.
O gesto é necessário, segundo relatos, porque, na eleição de 2026, governador e secretário deverão estar do mesmo lado, em uma coligação de centro-direita, em oposição à esquerda encabeçada por Lula.
No ato de filiação de Derrite ao PP como parte do plano de concorrer ao Senado no último dia 22, Tarcísio fez questão de ir, e o evento chegou a ser remarcado para se adequar à agenda do governador.
"Esse grupo vai ser forte, esse grupo tem um projeto para o Brasil", discursou Tarcísio, ao lado dos presidentes nacionais de partidos: Valdemar Costa Neto (PL), Renata Abreu (Podemos), Gilberto Kassab (PSD), Antonio Rueda (União Brasil) e Ciro Nogueira (PP).
Outro argumento para justificar a volta de Derrite ao Congresso é que ele terá mais liberdade para defender seus projetos e tocar pautas que coadunam com suas propostas para o Senado. E também poderá se manifestar com mais liberdade, inclusive sobre outros temas.
Além de Derrite, Tarcísio poderá perder mais cinco secretários para as eleições do ano que vem: Arthur Lima (Casa Civil), Guilherme Piai Filizzola (Agricultura e Abastecimento), Valéria Bolsonaro (Políticas para a Mulher), Coronel Helena Reis (Esportes) e Roberto de Lucena (Turismo e Viagens).
Um aliado do governador fez a ressalva que ainda é cedo para definir o sucessor de Derrite, pois isso dependerá de rearranjos partidários, mas reforça a predileção de Tarcísio por Streifinger, da SAP.
Advogado e doutor em ciências policiais, Streifinger trabalhou na PM por mais de 30 anos e chegou a ser cotado para assumir a SSP no começo do mandato, mas Tarcísio cedeu aos pedidos de Jair e Eduardo Bolsonaro e nomeou Derrite.