Ouvimos falar em cidades inteligentes (smart cities), cidades resilientes, cidades verde-azul. Mas talvez seja o momento de se falar em cidade afetiva. O mundo precisa de mais afeição entre os viventes. As policrises deixam as pessoas ansiosas, angustiadas, desalentadas, desanimadas, estressadas... enfim, doentes!
Além das emergências climáticas, o maior perigo a rondar a humanidade em sua longa história pelo planeta, vive-se um período de guerras, de violência, de polarização e de exacerbado egoísmo. O cenário vai se refletir na saúde mental da população. De acordo com o Ministério da Previdência Social, houve aumento de quase setenta por cento no afastamento do trabalho por transtornos mentais em 2024, em relação a 2023. Por isso a inclusão do burnout na relação das doenças ocupacionais pela OMS – Organização Mundial da Saúde e a urgência na adoção de medidas preventivas de cuidado com a saúde mental no ambiente de trabalho.
A ciência está atenta ao drama. Tanto que a pesquisa “Cidades Afetivas, do local para o global: aplicação e elaboração de métricas para mensuração de indicadores de Cidades Afetivas”, a cargo da pesquisadora Professora Vivian Aparecida Blaso Souza Soares César, partiu de um olhar regenerativo e estudou a articulação entre afetividade, convivialidade e sustentabilidade com abordagem sistêmica. Restrita ao campus da USP, propôs uma perspectiva integrativa ao considerar o campus como um organismo vivo onde são tecidas redes de afeto e convivências. Raciocínio que vale para as cidades.
A questão norteadora da pesquisa está centrada em: Como construir territórios capazes de sustentar a vida e possibilitar a regeneração a partir da afetividade? Importa considerar a tríade conceitual do “Cidades Afetivas”: Bem-viver, convivialismo e vida em comum.
O crescimento desordenado das cidades, a ocupação do território com edificações que não estimulam a convivência entre as pessoas, o aspecto frio e neutro da maior parte da arquitetura, impõe uma séria reflexão a respeito do futuro do urbanismo. A fragmentação urbana compromete a subsistência dos laços comunitários. Não é mera proposta conceitual, mas o compromisso rumo à construção de espaços onde o bem-viver, a convivialidade e a vida em comum sejam de fato valores estruturantes.
Foi necessária uma revisão da literatura em relação a métricas e indicadores existentes ligados à sustentabilidade para que a pesquisa identificasse quatro dimensões fundamentais rumo à promoção da afetividade no território: Relações de afetividade e convivialidade para fomentar laços sociais, acolhimento e pertencimento. Saúde e bem-estar para promover qualidade de vida e equilíbrio entre corpo, mente e ambiente. Engajamento e sustentabilidade para incentivar a participação cidadã e práticas regenerativas. E, finalmente, dimensão cultural e ambiental para resgatar identidades territoriais e fortalecer a conexão entre os indivíduos e a natureza.
Nossa cidade era provinciana, mas muito acolhedora. As pessoas se conheciam e o centro era frequentado por famílias que se estimavam. O crescimento desordenado comprometeu o aspecto habitacional das principais ruas. Elas aram a ser ocupadas por um comércio que não cuidou de preservar a harmonia arquitetônica.
Será que ainda existe possibilidade de requalificar o centro, que é vital para qualquer cidade do mundo e fazer da Jundiaí de hoje a terra afetiva que já foi há poucas décadas atrás? É o que a cidadania tem de decidir. E isto, se ela realmente quiser enfrentar esse tema. Que não é fácil!
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo ([email protected])