SYLVANA ZEIN 

‘O Brasil é uma terra rica, muito amada por nós’

Por Matheus Souza | Colaboração para o JP
| Tempo de leitura: 6 min
Claudinho Coradini/JP

Ela carrega as raízes da Síria e do Líbano na sua certidão de nascimento, mas foi em Piracicaba que ela construiu toda uma vida dedicada ao trabalho, à ajuda ao próximo e à preservação da memória sírio-libanesa na cidade. Sylvana Zein, diretora social da SBSL (Sociedade Beneficente Sírio-Libanesa), é um recorte vivo da história da formação do Brasil, e de como povos de origens tão distantes ajudaram (e seguem ajudando) a formar nossa sociedade. Nesta entrevista ao Persona, ela fala um pouco de sua trajetória. Veja abaixo os principais trechos:

Sylvana, pode nos contar um pouco da sua história? Nasci em Damasco, capital da Síria, na casa dos avós maternos. Fui registrada como libanesa, onde era o domicílio de meus pais, Elias Khalil Zein, libanês de Machgara e Cecília Akzam, damascena. Somos no total em 10 filhos, sendo um falecido, dois moram aqui e os demais em outros países. Tenho cidadania brasileira e resido no Brasil desde os dois anos de idade, porém criada dentro dos costumes e tradições libanesas. Estou em Piracicaba desde a década de 70, onde aos 18 anos comecei minha trajetória profissional no Instituto Educacional Piracicabano, onde trabalhei mais de 30 anos. Fiz parte de uma geração que “vestia a camisa” da instituição, onde tudo era feito com e por amor. No mesmo período de minha aposentadoria, fiquei viúva do amado e saudoso professor Elias Boaventura (1937-2012). 

Como foi esse processo de estabelecimento da sua família no Brasil?  Meu pai tinha um curtume no Líbano e foi convidado por seu primo para vir para o Brasil porque faltavam profissionais na área. Também vieram primos, que mantenho contato até hoje com alguns que moram em São Paulo. As famílias lá no Líbano eram muito numerosas e nosso clã Zein era muito grande. Após nossa chegada, moramos em várias cidades do Estado de São Paulo, sempre na região de Bauru, até que na década de 70 mudamos para Piracicaba e papai, já mais velho e cansado do trabalho árduo, virou comerciante.

Quais são as origens da sociedade sírio-libanesa em nosso país? A partir da segunda metade do século XIX os sírios e libaneses, em sua grande maioria cristã, aram a vir em maior número ao Brasil. Um fator determinante foi a vida difícil vivida por esses povos à época por causa da ocupação do Império Otomano. Muitos migraram para países europeus e depois para as Américas. Diferente de outros povos que vieram com promessas de terras ou contrato de trabalho (para eles não foi nada fácil também) os árabes vieram por conta própria, com carimbo turco no aporte, língua, costumes e alimentos totalmente diferentes, com muita determinação e vontade de vencer.

Na sua visão, o que atraiu tantas famílias a se estabelecerem na cidade? Por que Piracicaba? Terra de barões e muitos trabalhos, com área rural bem habitada, com muitas usinas e muitos colonos. Então com uma herança comercial milenar, esses pioneiros viram uma boa oportunidade de negócios. Tornaram-se mascates e viajaram com grandes malas a pé, em carroças ou lombos de animais. Depois, com suas economias montaram o comércio na cidade e assim foi por mais de um século.

Em qual contexto que a SBSL foi criada?  A SBSL foi fundada em 1902. Assim, ela completará 123 anos em novembro, sendo considerada a mais antiga sociedade em atividade ininterrupta da América do Sul. Os "brimos" já estabelecidos por aqui ajudavam os que chegavam para iniciar uma nova vida. Assim foi até quase cessarem as travessias do Atlântico. Daí as diretorias da SBSL, em gratidão à cidade que tão bem os acolheu, decidiu por fazer ações sociais em benefício dos menos favorecidos e continua até hoje. 
Como é para você integrar uma entidade tão importante para a cidade? Sou apaixonada por aquele espaço. Tem cheiro do Líbano, cheiro das casas dos sírios e libaneses que eu frequentava com meus pais quando criança. Me emociono todas as vezes que entro na sede e faço uma oração de gratidão. Sobre minha participação efetiva, já fui vice-presidente na gestão 2012-2013 e várias vezes diretora social, como agora. Também fui assessora da presidência e tive a honra de ser agraciada com o título de "Cidadã Benemérita" em 2015, juntamente com outro "brimo" de grande relevância na cidade, o Sr. Luiz Carlos Calil, então presidente da Caterpillar Brasil. Este trabalho voluntário tem um único e grande objetivo: manter uma instituição ativa e operante para que as novas gerações de descendentes possam ter orgulho e honrar seus ancestrais e deem continuidade à preservação de nossa identidade, cultura e tradições. Desejo sinceramente que meus filhos e netos saibam que ali é um espaço deles também e que os demais descendentes tenham o mesmo sentimento.

Atualmente, quais as principais atividades organizadas pela SBSL? Periodicamente são ajudadas diversas entidades com leite, fraldas, alimentos ou recursos financeiros. Durante a pandemia, mesmo com as atividades normais paralisadas, o SBSL se fez presente na ajuda com alimentos em diversas frentes. Também realizamos eventos comemorativos para socializar com a comunidade. Também organizamos exposições de trajes e objetos da cultura árabe, onde contamos um pouco da nossa história que remonta há sete mil anos de civilização. Afinal, o alfabeto, os números, a escrita e os livros saíram do nosso amado Líbano! Um país tão pequeno e tão rico culturalmente. Temos também outra grande festa no mês de novembro com dupla comemoração: o aniversário da SBSL no dia 16 e a Independência do Líbano, no dia 22. Também já tivemos eventos em homenagem às mulheres, às mães, aos pais, festa da família, todos com motivação filantrópica, além de uma semana de eventos natalinos onde apresentamos aos transeuntes nas noites de compras, com corais cantando na sacada da nossa sede. Foi lindo e mágico. Gratidão aos corais que aceitaram o convite.

Para você, qual a importância da cultura sírio-libanesa para o Brasil e de que forma ela contribui com nossa sociedade? A nossa cultura é importante para o mundo, é imensa a contribuição do nosso povo, das sabedorias antigas e das suas descobertas que são válidas e utilizadas até hoje. Eu sempre digo que não somos só comida e danças: somos inteligentes, somos cientistas, pesquisadores, solidários, resilientes e determinados. Veja aqui na cidade, quantas prósperas, quantos profissionais e empresas bem-sucedidas, quantos escritores e pesquisadores renomados que são filhos, netos e bisnetos de quem ousou, com dor no coração, cortar o cordão umbilical, deixar seu amor maior que é a mãe chorando e acenando no porto, para talvez nunca mais ver, e rumar para um mundo desconhecido e trabalhar arduamente para si e para seu novo país. Temos como um dos grandes exemplos o Hospital Sírio Libanês em São Paulo, referência nacional, fundado por um grupo de mulheres com o apoio de toda a colônia. Não podemos esquecer a nova onda de imigração nos últimos anos, gerada pelas invasões e conflitos na Síria e no Líbano. Ela trouxe de volta os sabores originais da comida e nova vida ao comércio. Especialmente em São Paulo há novamente uma colônia siríaca libanesa original, com seus cheiros, sabores, núcleos, cantos e sotaques. Que alegria ouvir a língua materna com o "Ah" falado com ênfase. A saudade que sentimos dos que lá ficaram é na mesma proporção da gratidão por este paraíso que nos recebeu. O Brasil é uma terra rica, a mais bonita do mundo, muito amada por nós que fomos acolhidos e abençoados por Deus.

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