
Não é de hoje que o centenário prédio da extinta Fábrica de Tecidos Boyes é alvo de polêmicas quanto ao destino que se deseja dar às suas instalações, desativadas desde 2006. De um projeto para a um shopping até a atual proposta de construção de torres residenciais, o local virou motivo de disputas judiciais e até políticas.
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Para entender um pouco mais sobre como essa história se desenrolou (até agora), reunimos alguns fatos históricos do ado e os principais tópicos que norteiam as discussões no presente. Confira:
1. 1874: Uma história de 151 anos
A Boyes foi fundada por Luiz de Queiroz em 1874, então como “Fábrica de Tecidos Santa Francisca”. Com maquinário inglês, o complexo industrial se destacava pela inovação, captando água do Piracicaba para a movimentação das turbinas e contando com a primeira linha telefônica da cidade.
2. 1902 - 1927: Mudanças de nome e de proprietários
Pouco tempo após a morte precoce de Luiz de Queiroz, aos 48 anos em 1898, a Fábrica era adquirida em 1902 por Rodolpho Miranda, futuro Ministro da Agricultura do Brasil, que mudou seu nome para “Arethusina”. Mais tarde, em 1918, a indústria ou para propriedade dos irmãos Herbert James Singleton Boyes e Alfred Simeon Boyes, que a batizaram como Companhia Industrial e Agrícola Boyes.
3. 2006 - 2015: Novos investidores e projeto de shopping center
As atividades da empresa seguiram até 2006, ano de sua extinção. Após a venda do maquinário para saldar dívidas trabalhistas de ex-funcionários, as instalações da Boyes são adquiridas em 2007 pelos empresários Jorge Aversa Júnior, Luiz Carlos Furtuoso e Adenir Graciani por cerca de R$ 5,6 milhões (atualmente R$ 15,2 milhões, corrigidos pelo IPCA).
Oito anos depois, em 2015, o “Mirante Shopping” era apresentado à imprensa. Formado por lojas, hotel 5 estrelas e usina própria de energia, conforme noticiado pelo JP, o investimento divulgado à época era na casa de R$ 360 milhões. A iniciativa, nunca tirada do papel, contava com a aprovação do Codepac (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural) de Piracicaba.
4. 2023: Surge o Boulevard Boyes
Mais tarde, em 2023, o grupo de empresários anunciava o “Boulevard Boyes” em parceria com o escritório paulistano KT Arquitetura, especializado em imóveis comerciais. Além de uma área de compras e de lazer, o empreendimento ou a prever a construção de quatro torres de apartamentos de alto padrão, com 27 andares e 90 metros de altura cada.
“O projeto é para contemplar a cidade e não abrimos mão da preservação. Tudo que é histórico será preservado. Ficamos mais de um ano discutindo esse projeto e o Codepac é muito rígido. Nós trabalhamos muito para cumprir as exigências”, disse Aversa Jr. ao JP, na época.
5. 2023 - 2024: abaixo assinado e dívida milionária de IPTU
A possibilidade de construção de torres residenciais às margens do rio Piracicaba trouxe reações contrárias quase imediatas ao seu lançamento. Ainda em 2023, surgia o “Movimento em Defesa da Boyes”, que lançava um abaixo-assinado contrário à construção dos imóveis e pedindo a paralisação da iniciativa.
Em 2024, o mesmo movimento divulgava que o todo o conjunto de prédios devia à Prefeitura cerca de R$ 5,8 milhões de IPTU (Imposto Territorial e Predial Urbano). Um pedido de isenção foi protocolado por um dos investidores junto à istração - imóveis tombados, como é parte da Boyes, podem ser isentos de acordo com seu grau de conservação.
6. 2024-2025: pedidos de tombamento federal e decisão judicial suspende o projeto
Ainda em 2024 foram feitos dois pedidos de tombamento do Complexo Beira Rio (onde a Boyes está inserida), um ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e outra ao Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) - a área, compreendida entre as pontes do Mirante e do Morato já é tombada pelo município desde 2004.
No último dia 03, uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu eventuais intervenções. O despacho apontou a existência de “risco concreto do ‘Projeto Beira Rio’”. A decisão veio após uma audiência pública organizada pelo Condephaat.
O que dizem os envolvidos?
Codepac | Qual o posicionamento do Codepac frente à proposta de construção das torres e onde ela encontra respaldo na legislação pertinente?
“O Codepac é um conselho consultivo, sem caráter deliberativo. Neste sentido a verticalização seria possível, a partir da interpretação do Art. 24 da LC 171/05, tendo assim o encaminhamento para encaminhamento da análise às secretarias competentes. Quem decide efetivamente sobre a possibilidade de verticalização são organismos da istração direta da Prefeitura Municipal de Piracicaba: Grupo de Estudo e Impacto de Vizinhança (GEIV), Comissão de Análise e Parecer (CAP) e Divisão de Uso e Ocupação do Solo da Secretaria Municipal de Obras, Infraestrutura e Serviços Públicos que emitirão o alvará, caso o projeto estivesse enquadrado em toda a legislação pertinente, em todas as áreas permitidas e, não apenas sobre o tema relacionado ao tombamento”.
Movimento Salve a Boyes | Qual a posição do grupo frente a esse novo projeto?
“Este projeto, da forma como ele está, numa total descaracterização da orla da Rua do Porto e do Complexo Beira Rio, não pode ser acatado, com toda desconfiguração da paisagem, interferência arquitetônica aos patrimônios naturais e construídos, impactos de fauna, flora, de sombreamento, mobilidade urbana etc. Ou seja, todos os benefícios que o Projeto Beira Rio conquistou nos últimos 25 anos, além de todas as ações presentes desde os anos 70 para a preservação da “escala humana” da área, correm sérios riscos com essa iniciativa”.
KT Arquitetura | Qual a opinião da empresa sobre o atual momento do projeto?
“O projeto Boulevard Boyes foi desenvolvido com total observância às legislações municipais, estaduais e federais que regulam o uso, ocupação e proteção do patrimônio histórico (...). Repudiamos com veemência a tentativa de politização de um processo que deveria ser conduzido com base no diálogo técnico e no interesse público. Transformar uma liminar provisória em bandeira ideológica não apenas desinforma a população, como compromete o debate racional sobre o futuro da cidade, especialmente no que tange à requalificação de áreas abandonadas e à criação de novas centralidades urbanas com o democrático à cultura, ao lazer e à moradia”. Júlio Takano, CEO da KT Arquitetura, autor do projeto Boulevard Boyes.
Luiz Carlos Furtuoso, do grupo de investidores da Boyes
“Temos aprovação dos órgãos competentes. Estamos seguindo o caminho da lei. A partir do momento que as pessoas (opositoras ao projeto) deixam de respeitar o órgão que tem autoridade sobre o assunto, fazendo manobras contra o Estado… Esses órgãos nos quais seguimos as regras deixam de valer? Vale num momento e não vale de outro? É lamentável a forma como algumas pessoas têm tratado esse tema”.
Prefeitura | Como a Prefeitura de Piracicaba vê essa questão?
“O processo de aprovação de um projeto a por diversas secretarias e autarquias. Neste caso específico, já houve aprovação do Semae e diversas análises por parte da Semuttran, além do encaminhamento por parte do Codepac. Entretanto, enquanto o Condephaat não decide pelo deferimento (ou não), fica prejudicada a continuidade da análise de outros órgãos municipais para uma eventual emissão do alvará definitivo”.